quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Quando um poeta morde um cachorro...

Passeávamos pela Feira do Livro, Marta, Sofia e eu, quando encontramos a Telma Scherer no meio da praça, sentada sobre uma toalha, amarrada a uma coleira, cercada de boletos bancários. Ou algo assim. E creio que havia também uma casinha de cachorro, com alguns dizeres.

Ela me viu no meio do povo e fez um comentário qualquer. Lembrei-lhe que eu havia sido o seu primeiro editor. Na década de 90 (do século passado), publiquei alguns de seus poemas na Revista Porto & Vírgula, que então fazíamos na Coordenação do Livro e Literatura, da PMPA.

A conversa prosseguiu. Telma, já neste século, frequentou algumas aulas minhas na cadeira de "Poesia e Criação", no mestrado em Escrita Criativa, na PUC. Diego Grando e Diego Petrarcca, duas luminosas revelações poéticas do Rio Grande do Sul, também faziam parte dessa turma.  

Quando Telma ofereceu-me um copo de rum, recusei, alegando minha abstemia. Mesmo que eu pudesse beber o "fogo dos marinheiros", não beberia. Não seria um bom exemplo para Sofia o pai empinando um copo de aguardente em praça pública.

Fomos embora. Sofia, claro, fez algumas perguntas sobre "a moça" amarrada a uma casinha de cachorro.

O episódio me fez recordar minha primeira participação na Feira do Livro de Porto Alegre, em 1977. Quando lancei meu primeiro livro de poesias, fiz algo parecido, para chamar a atenção do público e da imprensa. Toquei violão e cantei na praça. Um de meus ouvintes, naquela tarde de arroubos juvenis, foi Mario Quintana. Se ele fosse vivo, e jovem, teria sentado ao lado da Telma e bebido um bom copo de rum. Não sei o que o Mario bebia em suas noites de boemia. Vou perguntar ao Sergio Faraco, que é sobrinho do Mario. 

No dia seguinte, li na Zero Hora que a performance da Telma acabou numa delegacia de polícia. Sequer sei o que aconteceu depois que saí da Praça da Alfândega. Por isso, não faço nenhum juízo sobre a detenção.

Hoje, na Palavraria, comprei o novo livro da Telma, Rumor da casa, publicado pela Editora 7 Letras.

Já li todos os poemas. É um bom livro. Num deles, a poeta diz:

"A nódoa se alimenta de tuas mágoas
(...)
E cresce".

Espero que a celeuma ajude a Telma a divulgar o livro Rumor da casa. Quem sabe sendo presa, a poeta seja lida. Como se sabe, quando um cachorro morde um poeta, não é notícia. Mas quando um poeta morde um cachorro os jornalistas correm para registrar o insólito.

7 comentários:

  1. Um poema que morde a mão do leitor pode não ser notícia, mas é boa literatura em qualquer parte do mundo. A Telma e outros poetas serão lidos sempre que os seus poemas, e não eles próprios, forem capazes disso. Espero que a celeuma NÃO ajude a divulgar o livro da Telma, e sim comentários sobre a sua boa qualidade, como que fizeste.

    ResponderExcluir
  2. Christian,

    continuas romântico e sem entender as minhas ironias!

    Abraço,

    CK

    ResponderExcluir
  3. A mim parece que é mais uma dessas atitudes que refletem o desespero de quem escreve por leitores. A atroz solidão de quem escreve, a dor de fazer alguma coisa para a qual não Há demanda. O escritor é e sempre será um solitário, mendigo das letras.

    Para esta poetisa, pelo jeito, só faltou a mão estendida em concha e o chapéu.

    Abços
    Cesar Cruz
    S.Paulo, Capital

    ResponderExcluir
  4. Charles, talvez de fato não tenha pescado a tua ironia, mas ser romântico (ou ingênuo, deixando as ironias de lado), é um alento que infelizmente perdi há tempo. Pensar que o poema continua sendo o melhor vendedor de si mesmo (como em parte o conto, seu primo pouco mais remediado) é um raciocínio mais econômico do que estético-ingênuo, acredite. Explico. As setenta e cinco pessoas em Porto Alegre que ainda leem poesia (entre as quais nos incluímos) ainda escolhem suas leituras prioritariamente pela qualidade, concordas? Ora, é um mercado tão pequeno que nele nem o capital mais nanico arriscaria seus tostões. Lembra o público de dinossauros (de novo, sou um deles) que frequentam o mezanino da Livraria Cultura em busca de cds de jazz e clássicos. Não há download ilegal disponível na internet ou publicidade de música ruim que os remova de lá. Quando o produto se torna desinteressante para atravessadores, diz a economia, o valor intrínseco da coisa volta a ser determinante em termos de mercado. É um pouco a lógica das raridades, e é o que acontece com a poesia, atualmente, na minha opinião (com o conto também, mas muito mais com a poesia). Foi isso, enfim, o que quis dizer com "seus poemas serão lidos se forem bons": os poemas da Telma, do dois Santos e do Bandeira, ao lado de toda a poesia universal, disputam hoje em Porto Alegre o exigente mercado dos setenta e cinco leitores que sobreviveram ao crepúsculo das literaturas de massa. E não há Washington Olivetto (que deve ler poesia) que reverta esse quadro. Romantismo? Quem dera! Bons tempos...

    Abraço!

    (Te escrevi há três meses um e-mail rasgado de elogios ao Dia de Matar Porco. Não vais lançá-lo?)

    ResponderExcluir
  5. Oi Profe. Fiquei bastante curiosa com o fato e busquei informações a respeito. Descobri o blog da autora e verifiquei que a performance "Nao alimente o escritor", que segundo a Telma visava a "aproximação do processo criativo aos movimentos do cotidiano", se tratou de uma manifestação artistica (até mesmo poetica, creio eu) e que, justamente por isso, foi objeto de interpretações diversas. Mas é a própria Telma quem afirma que "penso a arte literária mais como um acontecimento e menos como produto..".
    Interpretações sobre a perfomance a parte, penso que o acontecimento que a levou a uma delegacia, numa espécie de procedimento kafkaniano (pelo que li no blog), é triste e lamentável ! Parece que ela tinha que se identificar, ou algo assim...e foi barrada tentando incentivar a leitura, em plena feira do livro..
    Bom, fica a dica do blog, para quem quiser saber detalhes da performance.
    Ah, eu teria tomado só um gole de rum!!!
    Abraços!

    ResponderExcluir
  6. Christian,

    nunca recebi o e-mail a que te referes...

    Abraço,

    CK

    Obs. Mas não foi por isso que resolvi não publicar o romance. Quero trabalhar mais nele. Não tenho pressa. Ele tem problemas estruturais que me incomodam. Vou refazer tudo, mesmo que demore uma década para lançá-lo. Não perdi, compadre, o ostinato rigore davinciano!

    ResponderExcluir
  7. na nossa sociedade do espetáculo,hiper-pós-moderna, tudo se faz para chamar atenção, então valeu a pena a poetisa fazer sua "performance" e como diz o ditado tudo vale a pena qdo a alma não é pequena...

    ResponderExcluir