domingo, 30 de maio de 2010

Confissões

Recebi, na sexta-feira, a prestação de contas de direitos autorais do primeiro trimestre de 2010, de uma de minhas editoras. Um dos livros de que mais gosto, e ao qual dediquei um esforço especial, Logo tu repousarás também, contos, vendeu, em três meses, 3 exemplares! Isto mesmo. Do Oiapoque ao Chuí, vendi três exemplares. Receberei, sobre estas vendas, 8,47 (oito reais e quarenta e sete centavos)!

Esta é a realidade dos escritores brasileiros. Certo, talvez seja apenas a minha realidade. Na década de 80-90 do século passado, eu vendia milhares de exemplares de Caminhando na chuva, por semestre. Hoje, em editora grande, publicado em São Paulo, vendo entre 25 e 40 exemplares por bimestre. Vendo hoje cinqüenta vezes menos do que vendia há uma década.

O que houve? Por que os meus leitores me abandonaram?

Em primeiro lugar, porque os meus textos ficaram obsoletos. A realidade, e é sobre isso que escrevo, não tem mais apelo mercadológico. Quem se interessa pela vida de sem-terras e pequenos agricultores, e outros infelizes e deserdados que habitam a minha Pau-d´Arco imaginária? Tentei o assassino em série, migrante na capital, e não acertei. Escrevi um livro complicado, demoníaco, como sugeriu um crítico local, O escorpião da sexta-feira, que assusta, incomoda, e os novos leitores querem amenidades. Na era do hedonismo e da imortalidade, lembrar às pessoas que um dia elas irão repousar sob sete palmos de terra, como se dizia antigamente, é fazê-las largar o livro antes que ele queime as mãos desavisadas.

Em segundo lugar, porque ninguém mais compra livros. Ao menos não os meus! Enquanto este blog já foi lido por mais de 12 mil pessoas nos últimos três meses, vendi 3 exemplares de meu melhor livro de contos!

Em terceiro lugar, porque o número de escritores, na última década, multiplicou-se geometricamente, enquanto que o número de leitores (de livros) aumenta aritmeticamente, se é que aumenta. (Suspeito de todas as informações que dizem que os livros estão vendendo cada vez mais). Provei, estatisticamente, que a Feira do Livro de Porto Alegre perdeu, no último lustro (alguém ainda se lembra que isso significa qüinqüênio?), mais de 30 por cento de seus compradores.

Pela inflação no mercado brasileiro de escritores, sou diretamente responsável, pois minhas oficinas lançam no sistema literário dezenas de excelentes novos autores e autoras a cada ano. Há 15 anos, um grande escritor dos pampas me disse: “Pô, tu estás jogando contra a gente! Daqui a pouco, não teremos mais leitores”.

Ele tinha razão.

Só me resta, agora, convencer aos meus alunos a comprarem livros. Alguns, não compram sequer os lançamentos dos colegas. Não conheço tipo social menos solidário que escritor. Eu mesmo, que compro uma boa quantidade de livros de meus alunos em seus lançamentos (mas somente obra que tenha passado pelo meu crivo editorial), não o faço por caridade. A despesa que tenho já está embutida no preço da mensalidade.

11 comentários:

  1. Que coisa, se tu vendes tão pouco, imagina os outros.E, ainda, és intransigente em aceitar ou concorrer a recursos do governo para tuas atividades, que são bem importantes, como as oficinas e a escritura ou lançamento dos teus livros.
    Bj

    ResponderExcluir
  2. Charles, o "Logo tu", que você me enviou gentilmente, foi lido e devorado por mim, que virei seu fã. Depois disso comprei um montão de livros teus, inclusive mais um "Logo tu", que dei de presente. Vamos a uma lista dos que comprei nos últimos 3 meses:

    Um "Logo Tu"
    Um "Valsa Stein"
    Um "Caminhando"
    Um "Escorpião"
    Um "Ossos da Noiva"

    Porém, um detalhe: comprei-os, todos, em sebos. Compro muitos livros em sebos, acho que quem é leitor habitual faz isso regularmente. Não é falta de consideração contigo, ou com qualquer dos meus escritores prediletos. É uma questão econômica, pago 1/3 do preço. Obviamente os lançamentos que quero comprar, adquiro logo de vez e pronto, novos.

    Mas então fica a pergunta: será que dessa multidão de leitores que você tem (está na cara que tem, já que, eu, que estou longe, virei seu fã e consumidor, o que dizer dos alunos e seguidores do blogue?) não anda fazendo o mesmo? Aí surge uma segunda pergunta: os sebos são, afinal, uma boa ou uma má notícia?

    Uma curiosidade para encerrar meu comentário: o "Escorpião de Sexta-feira", que paguei apenas 15 reais, estava absolutamente novo. Não, não estava bem tratado; pior, estava intacto, não-lido. Conheço livros e sei quando um certo livro não foi nem ao menos folheado. O que explica isso? O conteúdo? Fosse o que fosse que houvesse ali dentro, o cara não teria como valorar, pois nem passou os olhos.

    abço
    Cesar

    ResponderExcluir
  3. Charles, concordo com o que disseste sobre a questão mercadológica da Literatura em nosso país, ela vende menos hoje, isso é fato.
    Mas não acredito que as pessoas estejam menos interessadas em realidade do que estavam há uma ou duas décadas.
    Quando escreveste "Valsa..." e "O Pêndulo...", retrataste a realidade dos agricultores pobres do do RS nas décadas de 70-80 com tal sagacidade e maestria que se tornaram marcos na literatura gaúcha e brasileira, e não à toa são esses ainda os teus melhores livros.
    O que eu acho é que depois disso não te debruçaste mais sobre a realidade, nos teus outros livros. O Brasil mudou, veio o Real, a globalização, a internet, a cidade mudou, as misérias mudaram de tom e de lugar, as relações pessoais mudaram muito, mas tu seguiste, no fundo, contando a história dos agricultores gaúchos dos anos 70-80, tema que já tinha sua obra-prima escrita por ti mesmo, há vinte anos (o "Escorpião" não deu certo, na minha opinião, justamente porque tem pouco de real, se passa num mundo urbano tal como imaginado, talvez, por um morador de Pau d'Arco que tenha visitado a capital uma ou duas vezes, e olhe lá).
    Essa realidade que nos deixa a todos perplexos, esse inferno de Sábato, que visitamos diariamente, e do qual voltamos cegos e aturdidos, essa civilização barbarizada que ainda não compreendemos bem, é isso, acho, que interessa aos leitores de hoje - a mim, com certeza. E é de escritores como tu, talentosos, sensíveis, capazes de serem geniais, conectados com o mundo real, de quem esperamos essa nova revelação da realidade, em forma de literatura.

    ResponderExcluir
  4. (Mencionaste os 12 mil acessos desse blog nos últimos três meses - número com o qual colaborei significativamente. Não é à toa. É que aqui seguimos encontrando o Charles Kiefer que compreende e escreve sobre a realidade como poucos.)

    ResponderExcluir
  5. Enio Roberto31/5/10 10:17

    Li o Escorpião da sexta-feira faz alguns anos, fiquei como que magnetizado ao seu término. Passado o susto, revi trechos, apreciei-os, me sentindo ridículo por querer ser escritor. Quem puder conhecer essa obra, minuciosamente planejada, não perca!
    Enio Roberto

    ResponderExcluir
  6. O senhor por acaso já considerou a hipótese de escrever um romance vampiresco? Com mocinha, mocinho-vampiro - que tentará cravar suas presas ao pescoço da mocinha a todo custo - personagens afeitos a cemitérios é quase indispensável - e sempre funcionam! Percebo que essa é a literatura que vende nos dias de hoje - e fácil, muito fácil. Dia desses, no metrô, num intervalo de 15min. mais ou menos, vi entrar umas 6 pessoas, com um volume da série "Crepúsculo" em mãos; fora os que a gente já os encontra sentados, lendo-lhes. Vende-se livros assim; quase como se vende cd's de forró ou pagode piratas.

    ResponderExcluir
  7. marta chaves13/6/10 15:46

    não chores querido charles, tu és um dos melhores escritores nossos....um orgulho pra nós aqui do sul...e ja comprei todos os livros teus e ainda continuo comprando, em sebo,é claro, para mandar para minha xara do rio, que tb é tua fã. bjs marta chaves

    ResponderExcluir
  8. querido charles acabei de encomendar, na livraria cultura o livro logo tu repousarás também...aí completarei tua magnífica obra. Tu és um gênio!!!! bjsssssss

    ResponderExcluir
  9. Charles, como teu aluno e leitor, acho que, como diziam os Power Rangers, é hora de morfar.
    Sinto que leio algo raro sempre que leio teus ensaios. És um dos homens mais sábios que já conheci, um profundo poço transbordando de matéria não líquida.
    Provavelmente não sabes o quanto sabes. Tens a fórmula correta da inteligência: profundidade sem lacunas. Por exemplo, tens uma visão da história completa, tenho a impressão, que lhe está tão confortável na memória como acordes na mente de um músico. Assim, podes pensar dentro da história tão confortavelmente quanto o músico canta dentro da música.
    Escreva ensaios, é o lugar onde és único. Tens a difícil fórmula, repito. É o lugar onde poderás perguntar-se: "Se não eu, quem?".
    Ainda, atrevasse nos teus ensaios. Aproveite-se do "talvez". Muda o mundo!

    Essa é minha opinião.
    Um abraço,
    RKK.

    ResponderExcluir
  10. Parece uma bola de neve. As vendas diminuem, daí as editoras cobram mais caro pelos livros e nós leitores acabamos nos distanciando cada vez mais. Conheço muitos leitores, mas todos são de onda, vão de best sellers. Novos autores acabam expremidos nesse mercado. Eu por exemplo vendo muitos livros, mas pessoalmente. Na livraria é uma derrota... Faz parte da profissão que escolhi...

    ResponderExcluir
  11. Eu estou lendo o Escorpião nesse exato instante e não acho que você "errou" em nada, não. A grande questão é: por que e para quem? Ler e escrever nem sempre depende de meras e banais funcionalidades mercadológicas, amigo Charles! =)

    ResponderExcluir