domingo, 29 de abril de 2012


A reação adolescente do pensamento


No princípio, era o mito. Sem autoria, emanado da tradição folclórica, sem cronologia, misterioso, mágico e sagrado. Transmitido oralmente, explicava o Universo. Cansado de dar explicações sobre a cosmogênese, o mito, envaidecido, tratou de fazer um pouco de ontogênese, explicando, também, a si mesmo. E, nessa dobra para dentro, nesse Uroboro, além de gerar o self, gerou os prolegômenos do pensamento lógico-formal, que estão na base da ciência. O mito descobriu, nesse processo, que os fenômenos são puramente naturais. E que Deus, se existe, chama-se Natureza. Nascia assim a noção de physis. Ao trabalhar com as leis da natureza, chegou à noção de causalidade e compreendeu que explicar alguma coisa é relacionar um efeito a uma causa que o antecede e determina. Mas o mito – ou a literatura, nome que assumiu mais tarde – era curioso e não se contentava com respostas positivistas. O mito, com a sabedoria inocente das crianças, adorava perguntar:

– E antes do Big Bang, o que havia?

Cônscio de que para se fazer ciência não se pode buscar as causas anteriores, por que elas levam a causas infinitas, o mito, para não retornar sempre a si mesmo, passou a evitar o caráter regressivo das perguntas sem resposta e inventou a noção de arché. Essa noção, autoritária e excludente, de elemento principal, causa primeira, primeiro princípio, não se resolveria nunca, mas, com isso, o mito inventou a filosofia. Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Demócrito e Empédocles, entre outros, tanto pensaram sobre isso que chegaram à noção de kosmós, universo ordenado. Ordem, harmonia e beleza. Noção que se expandiu tanto que chegou aos cosméticos femininos. Sem essa racionalidade, que pressupõe a existência de princípios e leis, o mundo não seria compreensível ao entendimento humano.

Faltava, ainda, um elemento para que a literatura inventasse a ciência: o logos. O discurso argumentativo, sujeito à crítica, chegou com os gregos, que jamais elidiram da equação a inspiração (esse vento que sopra por dentro), a criatividade, as potências anímicas.

Durante milênios, arte e ciência conviveram pacificamente. No entanto, em meio à revolução industrial, aquele saber não-dogmático, para o qual não existiam verdades absolutas e definitivas, foi sufocado por uma onda positivista sem precedentes na história da humanidade.

Felizmente, o próprio avanço da ciência acabou por demonstrar que a única certeza no universo da matéria, ou seja, no campo das ciências da physis, é o princípio de incerteza.

Em alguns campos do conhecimento, ainda sofremos a síndrome do pensamento adolescente. Para matar o pai, alguns cientistas renegam a fonte de toda ciência, que é a dialética das entidades artificiais. Uma metáfora, em que dois elementos dissociados se fundem numa nova síntese, compondo um terceiro elemento, antes inexistente, é uma fórmula matemática, tão científica quanto a teoria da relatividade, que funde tempo e espaço.

O único lugar onde ainda se tem certeza da cientificidade, e onde o valor de equivalência da produção estética em comparação com a produção dita científica é recusado, é no Currículo Lattes.

Se o ensaio científico é tão superior a um conto, a uma novela, a um romance, sugiro que os professores universitários produzam, também, textos artísticos.

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