A reação adolescente do pensamento
No princípio, era o mito. Sem autoria,
emanado da tradição folclórica, sem cronologia, misterioso, mágico e sagrado. Transmitido
oralmente, explicava o Universo. Cansado de dar explicações sobre a cosmogênese,
o mito, envaidecido, tratou de fazer um pouco de ontogênese, explicando,
também, a si mesmo. E, nessa dobra para dentro, nesse Uroboro, além de gerar o self, gerou os prolegômenos do
pensamento lógico-formal, que estão na base da ciência. O mito descobriu, nesse
processo, que os fenômenos são puramente naturais. E que Deus, se existe,
chama-se Natureza. Nascia assim a noção de physis.
Ao trabalhar com as leis da natureza, chegou à noção de causalidade e compreendeu que explicar alguma coisa é relacionar um
efeito a uma causa que o antecede e determina. Mas o mito – ou a literatura,
nome que assumiu mais tarde – era curioso e não se contentava com respostas
positivistas. O mito, com a sabedoria inocente das crianças, adorava perguntar:
– E antes do Big Bang, o que havia?
Cônscio de que para se fazer ciência não se
pode buscar as causas anteriores, por que elas levam a causas infinitas, o
mito, para não retornar sempre a si mesmo, passou a evitar o caráter regressivo das perguntas sem
resposta e inventou a noção de arché.
Essa noção, autoritária e excludente, de elemento
principal, causa primeira, primeiro princípio, não se resolveria nunca,
mas, com isso, o mito inventou a filosofia. Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro,
Heráclito, Demócrito e Empédocles, entre outros, tanto pensaram sobre isso que
chegaram à noção de kosmós, universo
ordenado. Ordem, harmonia e beleza. Noção que se expandiu tanto que chegou aos cosméticos femininos. Sem essa racionalidade, que pressupõe a
existência de princípios e leis, o mundo
não seria compreensível ao entendimento humano.
Faltava, ainda, um elemento para que a
literatura inventasse a ciência: o logos. O discurso argumentativo, sujeito à
crítica, chegou com os gregos, que jamais elidiram da equação a inspiração (esse vento que sopra por
dentro), a criatividade, as potências anímicas.
Durante milênios, arte e ciência conviveram
pacificamente. No entanto, em meio à revolução industrial, aquele saber
não-dogmático, para o qual não existiam verdades absolutas e definitivas, foi sufocado
por uma onda positivista sem precedentes na história da humanidade.
Felizmente, o próprio avanço da ciência
acabou por demonstrar que a única certeza no universo da matéria, ou seja, no
campo das ciências da physis, é o princípio de incerteza.
Em alguns campos do conhecimento, ainda
sofremos a síndrome do pensamento adolescente. Para matar o pai, alguns
cientistas renegam a fonte de toda ciência, que é a dialética das entidades
artificiais. Uma metáfora, em que dois elementos dissociados se fundem numa
nova síntese, compondo um terceiro elemento, antes inexistente, é uma fórmula
matemática, tão científica quanto a teoria da relatividade, que funde tempo e
espaço.
O único lugar onde ainda se tem certeza da cientificidade, e onde o valor de equivalência
da produção estética em comparação com a produção dita científica é recusado, é no Currículo Lattes.
Se o ensaio científico é tão superior a um
conto, a uma novela, a um romance, sugiro que os professores universitários
produzam, também, textos artísticos.
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