segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Prazer cumprido

Depois de três anos de angústias narrativas (é o nome que dou à luta de um escritor por encontrar le mot juste, a melhor solução formal, a mais harmônica composição. Só quem enfrenta com seriedade o ofício de escrever compreende isso), meu novo romance está pronto. No domingo à tarde, enquanto caía uma chuva diluviana em Porto Alegre, escrevi a última frase de Dia de matar porco (aliás, a frase final já estava pronta, a espera do local onde acomodar-se). Agora, vem o mais divertido: revisar trinta e duas vezes, negociar o contrato de edição, lamber a cria à distância, oferecer o inédito à leitura dos mais íntimos. No ano passado, rompi com a agência paulista que administrava o meu copyright. Depois de alguns anos, retomei o gerenciamento de minha própria vida literária.

Ao finalizar o livro, surpreendi-me com a harmonia geral das partes. Poucas vezes consegui chegar ao fim de uma obra com tanta certeza do que eu queria, narrativamente falando. É que a certa altura, os escritores deixam de ter problemas de linguagem. A experiência de escrever torna-se mais espontânea, o texto flui com mais naturalidade, mas restam sempre as dúvidas estruturais, especialmente quando não se quer repetir o já-feito.

Sempre que escrevi meus livros, procurei não usar de novo os mesmos procedimentos, as mesmas soluções. O que faz a diferença entre escritores e escritores é que uns contentam-se com as fórmulas e as receitas, outros buscam novos caminhos. Para ficar em meu próprio exemplo, as diferenças composicionais entre Valsa para Bruno Stein, Quem faz gemer a terra, Os ossos da noiva, A face do abismo e O escorpião da sexta-feira são gigantescas. A ponto de alguns dizerem que não parece tratar-se do mesmo autor. O meu uso da imaginária Pau-d´Arco é uma forma de criar um elemento fixo, um eixo estrutural que alinhe todas as obras. No entanto, mesmo nos livros estruturalmente díspares, há um aspecto em que eles se assemelham, e diz respeito à linguagem: o padrão metafórico.

Gaston Bachelard, um dos fenomenólogos que mais admiro, passou a vida estudando a tipologia das metáforas utilizadas pelos escritores franceses. Os resultados da fascinante pesquisa estão em A psicanálise do fogo, O ar e os sonhos, A poética do espaço, A água e os sonhos, A terra e os devaneios do repouso, entre outros. Para Bachelard, os quatro elementos da antiga filosofia pré-socrática (Tales de Mileto, Anaxímenes, Heráclito, Empédocles e outros), o ar, a água, a terra e o fogo, fornecem a energia anímica à linguagem e configuram-lhe uma curiosa tipologia. Assim, os escritores podem ser aéreos, aquáticos, terrestres ou ígnicos. Todo escritor utiliza, sempre, os quatro elementos, mas alguns deles preponderam. Para saber se se é aquático ou ígnico, por exemplo, seria necessário tabular todos os tipos de metáforas que se utilizou e comprovar, estatisticamente, a própria inclinação. Obviamente, não tenho tempo nem paciência para um trabalho dessa natureza, mas fica a sugestão do método aos meus alunos da PUC, que nem sempre tem um tema interessante com que trabalhar. Conciliar pesquisa de campo com teoria pode ser uma experiência muito produtiva.

Livro findo, findaram-se também as minhas férias. Retomo a vida social, as leituras, as reuniões, as preparações de aula, as próprias aulas, os e-mails (que já devem passar de três mil a espera de respostas), com a agradável sensação de ter honrado a profissão que escolhi, mas à qual não posso dedicar-me com exclusividade.

9 comentários:

  1. Parabéns, Charles! Aguardo a data do lançamento!!! Bjo!

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  2. Opa! Que bom que se sente com o dever cumprido e que se sente digno de ser chamado de escritor. Eu que tanto amo o tema "sentido da vida", vejo em ti um forte sentido na escrita. Mas, certamente, não escreves só por escrever ou pra simplesmente ter livros lançados; escreve porque tens outros sentidos que antecedem a escrita.

    Um abraço do Pielke.

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  3. jeferson queiroz22/2/10 10:56

    que legal!! parabéns meu caro! aguardo ansioso na fila de autógrafo -"drogas " virtuais que nos proporcionam germes de devaneio- (já que citastes bachelard). passarás alguns dias ainda entre o real e o imaginário, enquanto charles se ocupa do mundo real os protagonistas dançam e pulam e cantam. siiim, trabalho árduo e intrincado, a análise de elementos e significados fenomenológicos recai sobre a forma em que vemos os objeto, se estamos tratando de maneiras contemplativas, compreensão, experiência e/ou gosto (kantiano) _quando um conceito de um objeto não nos é dado, somente baseado na apreensão, temos um princípio subjetivo..., porém, quando nos for passado um conceito de um objeto, através da faculdade da apresentação teremos um princípio objetivo, Estas maneiras de apresentação determinam o ajuizamento do gosto pelo sentimento de prazer ou pelo entendimento e a razão.
    Algumas vezes procurei identificar estes elementos metafóricos em obras de arquitetura, detive-me em uma análise kantiana em busca do belo oculto em uma obra deconstrutivista, claro, pra complicar. Por que isso? Pelo simples fato de colocar a prova a análise fenomenológica e os elementos psicanalíticos envolvidos. bachelard quando propôs este conceito, jamais poderia imaginar que iríamos passar por esta transformação, alguns elementos subjetivos se perderam já no modernismo, do porão ao sótão p.ex. , praticamente banidos da nova arquitetura, e com o deconstrutivismo ou ainda com a arquitetura líquida proposta por zaha então nem se fala. Será que nossa capacidade de ocultar ou de devaneio se perderam? Creio que ainda é possível identificarmos signos, porém, estes hoje, não se mostrarão tão facilmente.
    Realmente exigiria muita paciência, e além do mais, teríamos ainda que pensar que estaríamos trabalhando em cima de um principio subjetivo, onde , somente o autor, carrega o significado...”em uma porta aberta se entra...”
    Parabéns novamente, um grande abraço!
    Jeferson Queiroz.

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  4. Ricardo Koch Kroeff22/2/10 15:53

    Se quiseres ver o que os jovens de inicial leitura acharão do teu porco, me manda um inédito que te mando meus olhos. Seria uma honra.

    Abraço, Ricardo Koch Kroeff.

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  5. Comprarei assim que sair. Parabéns!

    Abç
    Cesar Cruz

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  6. claro que como fã, fico ansiosa pra entrar na fila de autógrafos... Depois de ler o que escreveste acima entendo um pouco mais o que tu nos transmite nas oficinas. Também sinto aguçada a minha vontade de continuar participando dos teus grupos à procura de palavras certas, à procura de estilo e na esperança de, em algum momento, ver minha linguagem fluir... Parabéns pela finalização do livro...imagino que, de certa forma, esse feito deve contabilizar uma angústia a menos... beijo, com votos de grandes vendas...

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  7. Oi Charles
    Parabéns pelo livro que ainda está quentinho. Mais uma maravilha tua nos aguarda.
    Criei meu blog ontem e passei a ser tua seguidora, aqui, hoje. Digo aqui porque fora daqui, na vida real e não virtual, já sou tua seguidora há tempos. É muito bom poder te acompanhar pelo blog.

    Beijo,

    Têri

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  8. Charles tenho certeza do êxito de teu novo projeto e gostaria que desse uma olhada em um conto meu.É sobre um caso real da então doença conhecida como lepra em um distrito do interior de Santo Ângelo,onde o pânico tomou conta dos habitantes do Comandaí.Se der me dá teu parecer.

    EM CARNE VIVA!
    http://oficinamissoes.blogspot.com/

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  9. Kiefer,

    A versatilidade é uma das melhores qualidades que um escritor pode ter. parabéns, por criares personagens e histórias tão diferentes entre si.
    abraço,
    Leticia

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