terça-feira, 6 de abril de 2010

O exemplo que vem de São Paulo

Recebi, de Regina Zilberman, o texto que reproduzo abaixo, escrito por Franco Lajolo, ex-vice-reitor da USP. Vale a pena ler e aplaudir, e repetir aqui, no RS, programas deste tipo. Quem é meu aluno na PUC, sabe: sempre dou livros de presente, a todos da chamada. Custa-me caro, pois pago do próprio bolso. Tem gente que paga dízimo, eu pago livros. Que outros façam o mesmo, e que as instituições brasileiras sigam o exemplo da Universidade de São Paulo. (CK)


BOLSA LIVRO: A UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INVESTE NA LEITURA DE SEUS ALUNOS

A escola brasileira está em pauta.

A cultura da avaliação, em boa hora implantada nos diferentes níveis do ensino, no que se refere ao ensino fundamental, tem dado oportunidade a que de norte a sul, diferentes vozes se façam ouvir na esteira dos irrefutáveis e sombrios diagnósticos da educação brasileira. Diagnósticos tanto mais sombrios quando, recentemente, prova de avaliação de docentes da rede pública paulista mostrou o grande despreparo de fração significativa do magistério.

Sem professores competentes, não há ensino competente.

Face ao descalabro, não faltam nem propostas nem acusações. Se as primeiras são tímidas, as últimas costumam ser espalhafatosas. Dentre as propostas, as mais alvissareiras são as que divulgam iniciativas e projetos que, por terem a aval de instituições que gozam de credibilidade podem inspirar réplicas .

É neste contexto que ganha vulto uma iniciativa da Universidade de São Paulo que, fiel a seu projeto de aliar equidade e competência em seus projetos sociais, como o de permanência dos alunos, inclui, no orçamento para 2010 , uma bolsa livro.

A iniciativa inspira-se na crença de que a sala de aula e a voz do professor não constituem o único espaço nem o único instrumento de aprendizado. Tampouco apenas laboratórios e computadores. O conhecimento, é verdade, circula por vários caminhos, mas circula sobretudo pelas linhas e entrelinhas dos livros. E da mesma forma que a universidade se preocupa com alojamento e alimentação de seus estudantes mais carentes, é preciso que ela também lhes faculte um trânsito mais desenvolto pela cultura letrada.

Pois, se a fragilidade das práticas de leitura estão na base da precariedade dos resultados conseguidos pela escola brasileira – desde sua base – uma ação no patamar mais alto do sistema educacional pode qualificar o cenário dos patamares intermediários. Sobretudo na área de humanas – cujos egressos em boa parte habilitam-se para o magistério- a leitura é fundamental, e não apenas a leitura de livros didáticos, técnicos e especializados.

Se a bibliografia básica de cada área é obrigação da universidade providenciar – e o sistema de Bibliotecas da USP é zeloso nesta função- a bolsa-livro tem por horizonte a formação de leitores, de jovens leitores apaixonados pela leitura, que não vêem fronteiras entre os gêneros, e que já sabem ou que vão aprender que têm nos livros parceiros indispensáveis para a grande aventura do conhecimento em nome da qual chegaram à nossa universidade.

É exatamente para isto que a bolsa-livro existe.

Serão, neste primeiro ano, quinhentas bolsas: 10 parcelas de 120,00 reais – totalizando 1200,00 reais ano para cada aluno contemplado. Para ele comprar livros. Para ele começar ou ampliar sua biblioteca. Mas não é apenas da perspectiva do leitor que este projeto é importante: do ponto de vista econômico, esta iniciativa da Universidade de São Paulo representa também uma injeção de R$ 600.000,00 anuais no mercado livreiro.

Cifra nada desprezível e que pode e deve esperar uma contrapartida, como por exemplo a de venda de livros mais baratos para os estudantes beneficiados com esta bolsa. Particularmente as editoras universitárias – a exemplo do que a EDUSP já planeja – são parceiras naturais deste projeto. E, na esteira delas, com certeza a Câmara Brasileira do Livro será também interlocutora privilegiada nas propostas e alternativas para sua implementação.

Neste ano em que o mundo brasileiro dos livros e dos leitores foi tão duramente atingido pela morte de José Mindlin, a iniciativa desta bolsa-livro é um preito de saudade, que evoca a figura alegre e generosa do intelectual que sempre se considerou depositário dos livros de sua fantástica biblioteca, parte da qual, em breve estará na Cidade Universitária .

Dar o nome de José Mindlin a esta bolsa pode ser o gesto de reconhecimento e homenagem de nossa universidade a seu grande amigo, que se fará presente cada vez que um livro, tornado acessível através desta bolsa, faça um jovem sorrir de felicidade: afinal, o ex-libris de José Mindlin rezava: je ne fais rien sans gaieté .

Franco Lajolo (foi Vice-Reitor da USP de março de 2006 a março de 2009).

fmlajolo@usp.br

4 comentários:

  1. Bom dia Professor. Venho aqui comunicar-lhe que acompanho o blog desde junho do ano passado. Não te sigo ainda, por julgar que não deveria segui-lo enquanto não tivesse pelo menos um comentário em sua lista de postagens. Mas, fique sabendo, que não foi por falta de vontade ou inspiração. Pois muito vem me inspirando seu blog, ao longo dos últimos meses. Inclusive recomendei a alguns amigos e colegas. Mas, enfim... não quero continuar nessa rasgação de seda no meu primeiro comentário por aqui. (risos)

    O motivo pelo qual escrevo esse comentário, é que gostaria de reproduzir uma parte deste post em "L'avventura", é o título de meu blog, este pelo qual teço este comentário. Não sei se tu lembras de mim, acho que deves lembrar. Sou o único aluno que pegou G2 em Produção de textos Poéticos semestre passado. Adorei a cadeira, e tenho ainda dificuldades com poesia. Mas foi de grande valia suas aulas. Gostaria também de assistir uma cadeira sua, se possível... apenas uma aula, em uma cadeira que não estou matriculado ainda. Acho que é a cadeira de terça-feira. Se não for pedir muito, espero sua resposta.

    E obrigado pelas aulas que me deste.

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  2. "Nenhuma ciência, nenhum conhecimento me importara tanto; estava saciado deles, precisamente nisto consistia a ignomínia e o tormento mais agudos de que eu padecia: ver tão claramente meu próprio estado, ter perfeita consciência dele. Via a este infeliz, a este Lobo da Estepe diante de mim como uma mosca numa teia de aranha, e contemplava como seu destino forçava o desenlace, como pendia da teia enlaçado e indefeso, como a aranha se dispunha a devorá-lo, como aparecia também uma salvadora mão. Poderia dizer as coisas mais racionais e inteligentes sobre a concatenação e os motivos do meu padecimento, da enfermidade de minha alma, de meu enfei-tiçaamentn e de minha neurose, pois a mecânica era evidente para mim. O que mais me fazia falta, aquilo por que suspirava tão desesperadamente, não era saber e compreender, mas vida, decisão, movimento e impulso."

    .

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  3. "Apaixonei-me subitamente por fatos sem literatura"

    Clarice L. - A hora da estrela

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  4. Posso roubar o post sobre o exemplo que vem de São Paulo?

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