Sempre que penso em escrever sobre meu clássico preferido entro num labirinto, ou num bosque, como diria Umberto Eco. São tantas as árvores seculares, tantas as trilhas, que acabo andando em círculos.
Diante de qual delas devo me deter e investigar com mais atenção? Os fungos, os liquens e as trepadeiras que se agarram a seus troncos sólidos e bem enraizados até que as enobrecem, reforçam seu caráter de eternidade.
Também em relação aos livros basilares, os epígonos, com suas afiadas gavinhas, antes de prejudicá-los colaboram na criação dos sistemas literários.
Sei que estou girando em torno da árvore, sem coragem ainda de escolher uma no meio da mata e abraçá-la. Poderia aproximar-me mais desta aqui, um Flaubert legítimo, ou desta outra, um Tolstoi embaraçado em longas barbas-de-pau.
A copa alta e digna daquela tem o porte de Madame Bovary; este galho — Ivan Ilitch — parece apoiar-se no ombro de um empregado.
Sigo adiante e encontro algumas sequóias gigantescas, pura hybris. Suas folhas despencam no chão e se transformam no húmus de que as outras se alimentarão.
Sófocles, Eurípedes e Ésquio, indiferentes ao bulício da floresta, apenas farfalham.
Descanso um pouco à sua generosa sombra, no vento escuto o dorido lamento de Édipo, o ranger de dentes de Medéia, o brado de insubmissão de Antígona.
Continuo a caminhada. Sei que devo escolher uma, apenas uma, talvez este Shakespeare, de frutos amargos e variados; quem sabe este Proust silencioso, coberto de cortiça? Ou esta, reunião de muitos livros e destinos, Bíblia chamada?
Do outro lado, densos cipoais enlaçam Crane, Poe e Tchecov. Dou mais um passo e deparo-me com esta, estranha, de espinhos no tronco. Ainda lívida e trêmula, tem o aspecto de quem, nesta manhã invernosa, houvesse sido transformada num asqueroso inseto. Adiante, retorcida, tensa, fera na selva, Henry James me espreita.
No meio da neblina do labiríntico bosque da ficção clássica, percebo uma sombra e me recordo de Virgílio a conduzir Dante num outro inferno. Tem o passo claudicante, bate nas árvores com uma bengala, parece reconhecê-las pelo som que emitem. Não se assuste, ele me diz, sou o guardião da floresta. A um passo de distancia, percebo que meu futuro guia, Jorge Luis Borges, é cego.
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euheauheauh muito bom
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirAbraços.
Sandra
Adorei. ;)
ResponderExcluirEu adoro essa crônica
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